Durante minhas pesquisas, encontrei este artigo onde a importancia do letramento foi muito bem esclarecida e defendida.
Magda Becker Soares, doutora em educação, fala sobre as
diferenças entre letramento e alfabetização
Ela destaca a importância do aluno ser alfabetizado em um contexto onde leitura
e escrita tenham sentido
Sexta-feira, 29 de agosto de 2003 DIÁRIO DO GRANDE ABC 3
Coordenação pedagógica – Luciana Hubner Edição – James
Capelli Diagramação – Alexandre Elias Diário na Escola – Santo André é um
projeto do Diário em parceria com a Secretaria de Educação e Formação
Profissional de Santo André.
Letrar é
mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a
escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno.
Magda
Becker Soares, professora titular da Faculdade de Educação da UFMG (Universidade
Federal de Minas Gerais) e doutora em educação, explica que ao olharmos historicamente
para as últimas décadas, poderemos observar que o termo alfabetização, sempre
entendido de uma forma restrita como aprendizagem do sistema da escrita, foi
ampliado. Já não basta aprender a ler e escrever, é necessário mais que isso
para ir além da alfabetização funcional (denominação dada às pessoas que foram
alfabetizadas, mas não sabem fazer uso da leitura e da escrita).
O sentido ampliado da alfabetização, o letramento, de acordo
com Magda, designa práticas de leitura e escrita. A entrada da pessoa no mundo
da escrita se dá pela aprendizagem de toda a complexa tecnologia envolvida no
aprendizado do ato de ler e escrever. Além disso, o aluno precisa saber fazer
uso e envolver-se nas atividades de leitura e escrita. Ou seja, para entrar
nesse universo do letramento, ele precisa apropriar-se do hábito de buscar um
jornal para ler, de freqüentar revistarias, livrarias, e com esse convívio
efetivo com a leitura, apropriar-se do sistema de escrita. Afinal, a professora
defende que, para a adaptação adequada ao ato de ler e escrever, “é preciso
compreender, inserirse, avaliar, apreciar a escrita e a leitura” . O letramento
compreende tanto a apropriação das técnicas para a alfabetização quanto esse
aspecto de convívio e hábito de utilização da leitura e da escrita.
Apropriação do sistema
de escrita.
Uma observação interessante
apontada pela educadora Magda Soares diz respeito à possibilidade de uma pessoa
ser alfabetizada e não ser letrada e vice-versa. “No Brasil as pessoas não
lêem. São indivíduos que sabem ler e escrever, mas não praticam essa habilidade
e alguns não sabem sequer preencher um requerimento.” Este é um exemplo de pessoas
que são alfabetizadas e não são letradas. Há aqueles que sabem como deveria ser
aplicada a escrita, porém não são
alfabetizados. “Como no filme Central do Brasil – alguns personagens conheciam
a carta, mas não podiam escrevê-la por serem analfabetos. Eles ditavam a carta
dentro do gênero, mesmo sem saber escrever. A personagem principal, a Dora
(interpretada pela atriz Fernanda Montenegro), era um instrumento para essas
pessoas letradas, mas não alfabetizadas, usarem a leitura e a escrita. No
universo infantil há outro bom exemplo: a criança, sem ser alfabetizada, finge
que lê um livro. Se ela vive em um ambiente literário, vai com o dedo na linha,
e faz as entonações de narração da leitura, até com estilo. Ela é apropriada de
funções e do uso da língua escrita. Essas são pessoas letradas sem ser
alfabetizadas.”
Contexto Social.
Para Magda, um grave problema é que há pessoas que se preocupam
com alfabetização sem se preocupar com o contexto social em que os alunos estão
inseridos. “De que adianta alfabetizar se os alunos não têm dinheiro para comprar
um livro ou uma revista?” A escola, além de alfabetizar, precisa dar as
condições necessárias para o letramento. A educadora faz uma critica ao Programa
Brasil Alfabetizado, do Ministério da educação que prevê a alfabetização de 20
milhões de brasileiros em quatro anos. Para
ela, o programa irá, na melhor das circunstâncias, minimamente alfabetizar as
pessoas num sentido restrito. “Onde elas aprendem o código, a mecânica, mas
depois não saberão usar.” Um ponto importante para letrar, diz Magda, é saber
que há distinção entre alfabetização e letramento, entre aprender o código e
ter a habilidade de usá-lo. Ao mesmo tempo que é fundamental entender que eles
são indissociáveis e têm as suas especificidades, sem hierarqueia ou
cronologia: pode-se letrar antes de alfabetizar ou o contrário. Para ela, essa
compreensão é o grande problema das salas de aula e explica o fracasso do sistema
de alfabetização na progressão continuada. “As crianças chegam no segundo ciclo
sem saber ler e escrever. Nós perdemos a especificidade do processo”, diz. A
educadora argumenta que a criança precisa ser alfabetizada convivendo com
material escrito de qualidade. “Assim, ela se alfabetiza sendo, ao mesmo tempo,
letrada. É possível alfabetizar letrando por meio da prática da leitura e
escrita.” Para isso, Magda diz ser preciso usar jornal, revista, livro. Sobre
as antigas cartilhas que ensinavam o ‘Vovô viu a uva’, a educadora afirma que
muitas crianças nunca viram e nem comeram uma uva. “Portanto, é necessária a
prática social da leitura que pode ser feita, por exemplo, com o jornal, que é
um portador real de texto, que circula informações, ou com a revista ou, até
mesmo, com o livro infantil. Tem que haver uma especificidade, aprendizagem sistemática
seqüencial, de aprender.” A professora Magda Soares afirma que o PNLD (Programa
Nacional do Livro Didático), desenvolvido pelo MEC (Ministério da Educação), é
excelente porque “avalia o livro didático segundo critérios sensatos”. Mas ela
enfatiza que na alfabetização e letramento há um problema a ser resolvido. “As
cartilhas desapareceram do mercado. Não se fala mais em cartilha, fala-se em
livro de alfabetização. Mas com o desaparecimento das cartilhas, praticamente desapareceu
também o conceito de método. Não é possível ensinar a ler e escrever, ou
qualquer coisa em educação, sem um método. Há poucos livros de alfabetização
que tenham uma organização metodológica para orientar professores e crianças
envolvidos neste processo de aprendizagem. Os professores usam precariamente os
livros de que dispõem ou buscam as cartilhas nas prateleiras da biblioteca da
escola.”
Para todas as disciplinas.
Outro fato destacado por Magda é que o letramento não é só
de responsabilidade do professor de língua portuguesa ou dessa área, mas de
todos os educadores que trabalham com leitura e escrita. “Mesmo os professores
das disciplinas de geografia, matemática e ciências. Alunos lêem e escrevem nos
livros didáticos. Isso é um letramento específico de cada área de conhecimento.
O correto é usar letramentos, no plural. O professor de geografia tem que ensinar
seus alunos a ler mapas, por exemplo. Cada professor, portanto, é responsável
pelo letramento em sua área.” Em razão disso, a educadora diz acreditar que é
preciso oferecer contexto de letramento para todo mundo. “Não adianta
simplesmente letrar quem não tem o que ler nem o que escrever. Precisamos dar
as possibilidades de letramento. Isso é importante, inclusive, para a criação
do sentimento de cidadania nos alunos.”
Recomendações.
Para os professores que trabalham com alfabetização, Magda
recomenda: “Alfabetize letrando sem descuidar da especificidade do processo de
alfabetização, especificidade é ensinar a criança e ela aprender.O aluno
precisa entender a tecnologia da alfabetização. Há convenções que precisam ser
ensinadas e aprendidas, trata-se de um sistema de convenções com bastante
complexidade. O estudante (além de decodificar letras e palavras) precisa
aprender toda uma tecnologia muito complicada: como segurar o lápis, escrever
de cima pra baixo e da esquerda para a direita; escrever numa linha horizontal,
sem subir ou descer. São convenções que os adultos letrados acham óbvias, mas
que são difíceis para as crianças. E no caso dos professores dos ciclos mais avançados
do ensino fundamental, é importante cuidar do letramento em cada área
específica.”